“A má qualidade do sono desperta os sintomas de Alzheimer, sugerem dois estudos científicos que associam as noites mal dormidas ao aumento do risco de desenvolver a doença.
Além de efeitos mais comuns, como o cansaço ou a falta de concentração no dia seguinte, a má qualidade do sono pode afetar o desempenho cognitivo a longo prazo e de forma mais grave. Um estudo da Fundação Pasqual Maragall, especializada na investigação sobre o Alzheimer, em Barcelona, encontrou mudanças na estrutura cerebral que sugerem uma ligação entre a insónia e o desenvolvimento da doença neurodegenerativa.
De acordo com o jornal espanhol “El País”, pesquisas realizadas com pessoas saudáveis revelaram que quem sofre de insónias apresenta alterações em algumas áreas do cérebro que também são afetadas nos primeiros estágios da doença. Os danos cerebrais começam muito antes de o paciente desenvolver os primeiros sintomas de Alzheimer.
Outro estudo, publicado em 2018 na revista Alzheimer’s & Dementia, já tinha associado a insónia na meia-idade a um risco aumentado desse tipo de doenças.
A pesquisa da Fundação Pasqual Maragall, realizada em 1683 pessoas saudáveis - 615 com insónia -, concluiu que os participantes com distúrbios do sono tinham um volume menor em algumas partes do cérebro.
“São áreas que trabalham com o funcionamento da memória, de desempenho. É nessas áreas que os danos neurológicos se acumulam nos estágios iniciais da doença de Alzheimer. Pode ser que [esses cérebros] estejam a acumular danos ou que, por si só, já tenham menos volume”, explica Oriol Grau, responsável pelo estudo, citado pelo “El País”.
A investigação encontrou ainda mudanças na substância branca do cérebro, onde estão os axónios, os “fios” que conectam alguns neurónios. “Sabemos que uma interrupção dessa substância pode afetar a cognição. O perfil das mudanças que encontramos pode sugerir que existe um tipo de inflamação ligada à insónia. O que não sabemos é qual o papel da inflamação”, afirmou Grau. “A conclusão é que, embora a magnitude do efeito seja pequena, este estudo fornece evidências de que há uma ligação entre a insónia e o risco da doença de Alzheimer: pessoas com insónia refletem alterações relacionadas a doença”.
Na mesma linha de ideias desse estudo, investigadores suecos descobriram que, depois de submeter jovens saudáveis a uma noite sem dormir, os níveis sanguíneos da proteína tau – um biomarcador da doença de Alzheimer – são mais altos. O acumular dessa proteína, responsável por estabilizar e ajudar a montar o esqueleto dos neurónios, é um dos sinais biológicos que aparecem no cérebro das pessoas com Alzheimer. A tau é, juntamente com a proteína beta-amilóide, o alerta de dano neurológico devido a esta doença degenerativa.
Esse estudo sueco, publicado na revista científica Neurology, juntou 15 homens saudáveis, com uma média de 22 anos e sem distúrbios do sono. Numa primeira fase, os participantes foram autorizados a dormir normalmente por duas noites. Na segunda parte, foram autorizados a dormir bem uma noite e privados do sono na segunda. Os níveis da proteína tau no sangue aumentaram 17% após essa noite de falta de sono, em comparação com os 2% de uma noite normal de sono. “O nosso estudo sugere que a perda aguda de sono causa um aumento nos níveis sanguíneos de tau. Essas alterações fornecem evidências adicionais de que a perda de sono pode ter efeitos prejudiciais na saúde do cérebro, mesmo em indivíduos mais jovens”, concluíram os investigadores.
É consensual entre a comunidade científica que, durante o sono, os mecanismos que ajudam a limpar os resíduos do metabolismo cerebral são ativados e, quando se está acordado, a produção de beta-amilóide e tau aumenta. No entanto, os pesquisadores concordam que muitas questões permanecem sem resposta, como o nível real de influência dos distúrbios do sono, o papel da inflamação na ligação insónia-Alzheimer e a ação direta dessas proteínas.
“A experiência diz-nos que acumular tau no cérebro não é bom. Nas doenças neurológicas, o acumular de tau é interpretado como um dano neurológico. O estudo publicado na Neurology tem 20 anos e não sabemos o que significa essa tau. Falta-nos perceber a fisiologia dessas proteínas e as mudanças que elas experimentam no ciclo do sono”, disse Oriol Grau.”
Fonte: https://jn.pt